sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Dez falsos motivos para não votar na Dilma


Tenho alguns amigos que não pretendem votar na Dilma, um ou outro até
diz que vai votar no Serra. Espero que sigam sendo meus amigos.
Política, como ensina André Comte-Sponville, supõe conflitos: “A
política nos reúne nos opondo: ela nos opõe sobre a melhor maneira de
nos reunir”.

Leio diariamente o noticiário político e ainda não encontrei bons argumentos para votar no Serra, uma candidatura que cada
vez mais assume seu caráter conservador. Serra representa o grupo
político que governou o Brasil antes do Lula, com desempenho, sob
qualquer critério, muito inferior ao do governo petista, a comparação
chega a ser enfadonha, vai lá para o pé da página, quem quiser que leia.
(1)

Ouvi alguns argumentos razoáveis para votar em Marina, como incluir a sustentabilidade na agenda do desenvolvimento. Marina foi
ministra do Lula por sete anos e parece ser uma boa pessoa, uma
batalhadora das causas ambientalistas. Tem, no entanto (na minha
opinião) o inconveniente de fazer parte de uma igreja bastante rígida, o
que me faz temer sobre a capacidade que teria um eventual governo
comandado por ela de avançar em questões fundamentais como os direitos
dos homossexuais, a descriminalização do aborto ou as pesquisas
envolvendo as células tronco.

Ouço e leio alguns argumentos para não votar em Dilma, argumentos que me parecem inconsistentes,
distorcidos, precários ou simplesmente falsos. Passo a analisar os dez
mais freqüentes.

1. “Alternância no poder é bom”.

Falso. O sentido da democracia não é a alternância no poder e sim a escolha,
pela maioria, da melhor proposta de governo, levando-se em conta o
conhecimento que o eleitor tem dos candidatos e seus grupo políticos, o
que dizem pretender fazer e, principalmente, o que fizeram quando
exerceram o poder. Ninguém pode defender seriamente a idéia de que seria
boa a alternância entre a recessão e o desenvolvimento, entre o
desemprego e a geração de empregos, entre o arrocho salarial e o aumento
do poder aquisitivo da população, entre a distribuição e a concentração
da riqueza. Se a alternância no poder fosse um valor em si não
precisaria haver eleição e muito menos deveria haver a possibilidade de
reeleição.

2. “Não há mais diferença entre direita e esquerda”.

Falso. Esquerda e direita são posições relativas, não absolutas. A esquerda é,
desde a sua origem, a posição política que tem por objetivo a
diminuição das desigualdades sociais, a distribuição da riqueza, a
inserção social dos desfavorecidos. As conquistas necessárias para se
atingir estes objetivos mudam com o tempo. Hoje, ser de esquerda
significa defender o fortalecimento do estado como garantidor do
bem-estar social, regulador do mercado, promotor do desenvolvimento e da
distribuição de riqueza, tudo isso numa sociedade democrática com plena
liberdade de expressão e ampla defesa das minorias. O complexo (e
confuso) sistema político brasileiro exige que os vários partidos se
reúnam em coligações que lhes garantam maioria parlamentar, sem a qual o
país se torna ingovernável. A candidatura de Dilma tem o apoio de
políticos que jamais poderiam ser chamados de “esquerdistas”, como
Sarney, Collor ou Renan Calheiros, lideranças regionais que se abrigam
principalmente no PMDB, partido de espectro ideológico muito amplo. José
Serra tem o apoio majoritário da direita e da extrema-direita reunida
no DEM (2), da “direita” do PMDB, além do PTB, PPS e outros pequenos
partidos de direita: Roberto Jefferson, Jorge Bornhausen, ACM Netto,
Orestes Quércia, Heráclito Fortes, Roberto Freire, Demóstenes Torres,
Álvaro Dias, Arthur Virgílio, Agripino Maia, Joaquim Roriz, Marconi
Pirilo, Ronaldo Caiado, Katia Abreu, André Pucinelli, são todos de
direita e todos serristas, isso para não falar no folclórico Índio da
Costa, vice de Serra. Comparado com Agripino Maia ou Jorge Bornhausen,
José Sarney é Che Guevara.

3. “Dilma não é simpática”.


Argumento precário e totalmente subjetivo. Precário porque a simpatia não é, ou
não deveria ser, um atributo fundamental para o bom governante.
Subjetivo, porque o quesito “simpatia” depende totalmente do gosto do
freguês. Na minha opinião, por exemplo, é difícil encontrar alguém na
vida pública que seja mais antipático que José Serra, embora ele talvez
tenha sido um bom governante de seu estado. Sua arrogância com quem lhe
faz críticas, seu destempero e prepotência com jornalistas,
especialmente com as mulheres, chega a ser revoltante.

4. “Dilma não tem experiência”.

Argumento inconsistente. Dilma foi secretária de estado, foi ministra de Minas e
Energia e da Casa Civil, fez parte do conselho da Petrobras, gerenciou
com eficiência os gigantescos investimentos do PAC, dos programas de
habitação popular e eletrificação rural. Dilma tem muito mais
experiência administrativa, por exemplo, do que tinha o Lula, que só
tinha sido parlamentar, nunca tinha administrado um orçamento, e está
fazendo um bom governo.

5. “Dilma foi terrorista”.

Argumento em parte falso, em parte distorcido. Falso, porque não há qualquer
prova de que Dilma tenha tomado parte de ações “terroristas”.
Distorcido, porque é fato que Dilma fez parte de grupos de resistência à
ditadura militar, do que deve se orgulhar, e que este grupo praticou
ações armadas, o que pode (ou não) ser condenável. José Serra também fez
parte de um grupo de resistência à ditadura, a AP (Ação Popular), que
também praticou ações armadas, das quais Serra não tomou parte. Muitos
jovens que participaram de grupos de resistência à ditadura hoje
participam da vida democrática como candidatos. Alguns, como Fernando
Gabeira, participaram ativamente de seqüestros, assaltos a banco e ações
armadas. A luta daqueles jovens, mesmo que por meios discutíveis,
ajudou a restabelecer a democracia no país e deveria ser motivo de
orgulho, não de vergonha.

6. “As coisas boas do governo petista começaram no governo tucano”.

Falso. Todo governo herda políticas e programas do governo anterior, políticas
que pode manter, transformar, ampliar, reduzir ou encerrar. O governo
FHC herdou do governo Itamar o real, o programa dos genéricos, o FAT, o
programa de combate a AIDS. Teve o mérito de manter e aperfeiçoá-los,
desenvolvê-los, ampliá-los. O governo Lula herdou do governo FHC, por
exemplo, vários programas de assistência social. Teve o mérito de
unificá-los e ampliá-los, criando o Bolsa Família. De qualquer maneira,
os resultados do governo Lula são tão superiores aos do governo FHC que o
debate “quem começou o quê” torna-se irrelevante.

7. “Serra vai moralizar a política”.


Argumento inconsistente. Nos oito anos de governo tucano-pefelista - no qual José
Serra ocupou papel de destaque, sendo escolhido para suceder FHC -
foram inúmeros os casos de corrupção, um deles no próprio Ministério da
Saúde, comandado por Serra, o superfaturamento de ambulâncias
investigado pela “Operação Sanguessuga”. Se considerarmos o volume de
dinheiro público desviado para destinos nebulosos e paraísos fiscais nas
privatizações e o auxílio luxuoso aos banqueiros falidos, o governo
tucano talvez tenha sido o mais corrupto da história do país. Ao
contrário do que aconteceu no governo Lula, a corrupção no governo FHC
não foi investigada por nenhuma CPI, todas sepultadas pela maioria
parlamentar da coligação PSDB-PFL. O procurador da república ficou
conhecido com “engavetador da república”, tal a quantidade de
investigações criminais que morreram em suas mãos. O esquema de
financiamento eleitoral batizado de “mensalão” foi criado pelo
presidente nacional do PSDB, senador Eduardo Azeredo, hoje réu em
processo criminal. O governador José Roberto Arruda, do DEM, era o
principal candidato ao posto de vice-presidente na chapa de Serra, até
ser preso por corrupção no “mensalão do DEM”. Roberto Jefferson, réu
confesso do mensalão petista, hoje apóia José Serra. Todos estes fatos,
incontestáveis, não indicam que um eventual governo Serra poderia ser
mais eficiente no combate à corrupção do que seria um governo Dilma, ao
contrário.

8. “O PT apóia as FARC”.

Argumento falso. É fato que, no passado, as FARC ensaiaram uma tentativa de
institucionalização e buscaram aproximação com o PT, então na oposição, e
também com o governo brasileiro, através de contatos com o líder do
governo tucano, Arthur Virgílio. Estes contatos foram rompidos com a
radicalização da guerrilha na Colômbia e nunca foram retomados, a não
ser nos delírios da imprensa de extrema-direita. A relação entre o
governo brasileiro e os governos estabelecidos de vários países deve
estar acima de divergências ideológicas, num princípio básico da
diplomacia, o da auto-determinação dos povos. Não há notícias, por
exemplo, de capitalistas brasileiros que defendam o rompimento das
relações com a China, um dos nossos maiores parceiros comerciais, por se
tratar de uma ditadura. Ou alguém acha que a China é um país
democrático?

9. “O PT censura a imprensa”.

Argumento falso. Em seus oito anos de governo o presidente Lula enfrentou a
oposição feroz e constante dos principais veículos da antiga imprensa.
Esta oposição foi explicitada pela presidente da Associação Nacional de
Jornais (ANJ) que declarou que seus filiados assumiram “a posição
oposicionista (sic) deste país”. Não há registro de um único caso de
censura à imprensa por parte do governo Lula. O que há, frequentemente, é
a queixa dos órgãos de imprensa sobre tentativas da sociedade e do
governo, a exemplo do que acontece em todos os países democráticos do
mundo, de regulamentar a atividade da mídia.


10. “Os jornais, a televisão e as revistas falam muito mal da Dilma e muito bem do Serra”.

Isso é verdade. E mais um bom motivo para votar nela e não nele.



(1) Alguns dados comparativos dos governos FHC e Lula.

Geração de empregos:
FHC/Serra = 780 mil x Lula/Dilma = 12 milhões

Salário mínimo:
FHC/Serra = 64 dólares x Lula/Dilma = 290 dólares

Mobilidade social (brasileiros que deixaram a linha da pobreza):
FHC/Serra = 2 milhões x Lula/Dilma = 27 milhões

Risco Brasil:
FHC/Serra = 2.700 pontos x Lula/Dilma = 200 pontos

Dólar:
FHC/Serra = R$ 3,00 x Lula/Dilma = R$ 1,78

Reservas cambiais:
FHC/Serra = menos 185 bilhões de dólares x Lula/Dilma = mais 239 bilhões de dólares

Relação crédito/PIB:
FHC/Serra = 14% x Lula/Dilma = 34%

Inflação:
FHC/Serra =12,5% (2002) x Lula/Dilma = 4,7% (2009)

Produção de automóveis:
FHC/Serra = queda de 20% x Lula/Dilma = aumento de 30%

Taxa de juros:
FHC/Serra = 27% x Lula/Dilma = 10,75%


(2) Elio Gaspari, na Folha de S.Paulo de 25.07.10:

José Serra começou sua campanha dizendo: "Não aceito o raciocínio do nós
contra eles", e em apenas dois meses viu-se lançado pelo seu colega de
chapa numa discussão em torno das ligações do PT com as Farc e o
narcotráfico. Caso típico de rabo que abanou o cachorro. O destempero de
Indio da Costa tem método. Se Tupã ajudar Serra a vencer a eleição, o
DEM volta ao poder. Se prejudicar, ajudando Dilma Rousseff, o PSDB sairá
da campanha com a identidade estilhaçada. Já o DEM, que entrou na
disputa com o cocar do seu mensalão, sairá brandindo o tacape do
conservadorismo feroz que renasceu em diversos países, sobretudo nos
Estados Unidos. 
(Retirado do Blog de Jorge Furtado)
 

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